Criminalista inscrito na OAB/RJ nº 161.664, com mais de 15 anos de experiência na advocacia criminal, atuante em todas as instâncias judiciais e com participação em mais de 900 processos.
A discussão sobre a palavra da vítima nos crimes sexuais é uma das mais sensíveis e complexas dentro do Direito Penal contemporâneo. Por um lado, é inegável que grande parte desses crimes ocorre na clandestinidade, longe dos olhos de testemunhas ou câmeras, e que o silêncio da vítima, muitas vezes, é fruto de traumas profundos, medo e/ou vergonha. Por outro lado, o processo penal brasileiro é estruturado em princípios sólidos, sendo a presunção de inocência um dos pilares mais relevantes.
Nesse cenário, é preciso refletir com equilíbrio: como proteger a vítima sem violar direitos fundamentais do acusado?
No dia a dia do advogado criminalista, essa tensão é constante. O ordenamento jurídico impõe o dever de ouvir e considerar com seriedade o relato da suposta vítima. Porém, não se pode ignorar que nenhuma acusação, por mais grave que seja, pode resultar em condenação se não estiver amparada por provas seguras.
A palavra da vítima, por mais relevante que seja, precisa ser corroborada por outros elementos de convicção, sejam eles periciais, testemunhais, documentais ou de qualquer outra natureza.
Infelizmente, o clamor social e a crescente intolerância com os crimes sexuais têm gerado um fenômeno preocupante: a inversão do ônus da prova. O acusado é muitas vezes colocado na posição de ter que provar sua inocência, enquanto o Estado se vê tentado a se contentar com a versão unilateral da suposta vítima.
Essa lógica não apenas afronta o devido processo legal, mas ameaça a essência do sistema criminal garantista.
É necessário reafirmar com firmeza que o acusado não pode ser condenado com base exclusiva na palavra da vítima. Isso não significa, de forma alguma, desacreditar as vítimas ou minimizar suas dores, mas reconhecer que o processo penal não é um instrumento de reparação emocional, e sim de apuração objetiva da verdade.
O papel do criminalista é justamente evitar que o processo se transforme em um ritual de punição automática, especialmente quando há dúvidas razoáveis sobre os fatos.
A jurisprudência nacional é clara: a palavra da vítima tem peso, mas não é absoluta. Tribunais superiores têm reafirmado que ela deve ser analisada em conjunto com o contexto probatório, com atenção a sua coerência interna, compatibilidade com outros elementos dos autos e isenção de interesses ocultos.
Afinal, o risco de erro judiciário (principalmente em crimes com forte apelo moral) é real, e sua consequência pode ser devastadora: a condenação de um inocente.
É nesse ponto que o papel do advogado criminalista se mostra imprescindível. Cabe a ele zelar pelo equilíbrio entre o direito da vítima de ser ouvida e o direito do acusado de ser julgado com justiça. Em tempos de julgamentos apressados nas redes sociais, o criminalista atua como uma barreira técnica contra arbitrariedades, exigindo que o processo respeite regras, provas e a imparcialidade judicial.
A crítica à utilização exclusiva da palavra da vítima como elemento de condenação, portanto, não busca desvalorizar ou revitimizar quem denuncia. Pelo contrário: busca proteger a própria integridade do processo penal.
Um sistema que se permite condenar sem prova firme é o mesmo que amanhã poderá julgar sem ouvir, prender sem motivo e condenar por conveniência.
É preciso coragem para defender garantias em tempos de histeria coletiva. E é justamente por isso que o trabalho do advogado criminal deve ser reconhecido como essencial à justiça. Ele não luta contra a vítima, ele luta pelo respeito à Constituição, pelo uso responsável do poder punitivo do Estado e pela preservação do Estado de Direito.
Ao final, a mensagem é clara: todo crime deve ser apurado com rigor, e toda vítima merece acolhimento e escuta. Mas nenhuma condenação pode ocorrer sem provas robustas. A palavra da vítima é valiosa, mas não pode ser soberana. O processo penal exige mais: exige responsabilidade, técnica e compromisso com a verdade.
Rodrigo Castanheira Criminalista inscrito na OAB/RJ nº 161.664, com mais de 15 anos de…
Rodrigo Castanheira Criminalista inscrito na OAB/RJ nº 161.664, com mais de 15 anos de…
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